Fiquei inicialmente interessada com a proposta deste livro após Anna mencioná-lo em uma postagem no Instagram, antes do seu lançamento. Com a correria do dia a dia não obtive informações mais detalhadas sobre a obra e isso gerou expectativas — o que pode ser um terreno perigoso ao nos confrontarmos com algo diferente do que imaginamos. Agora que finalmente li, trago minha humilde opinião.
Entre Fogo e Raposas apresenta a família Kwan, uma família coreana que reside em Fortaleza e esconde segredos profundos. À primeira vista, parecem uma família comum, onde uma mãe tenta equilibrar o cuidado de trigêmeos adolescentes, cada um com personalidade totalmente diferente. No entanto, somos surpreendidos ao descobrir que eles são, na verdade, seres mágicos, fruto da união entre uma gumiho e um burro sem cabeça, e a mãe superprotetora tenta manter esse segredo a salvo. Tudo muda quando Ki Kwan (Dan), o trigêmeo do meio e nosso personagem principal, testemunha o sequestro de sua mãe. Esse evento abala profundamente a família, que se vê desafiada não apenas a encontrar a mãe em uma cidade até então desconhecida para eles, mas também a se ajustar à sociedade externa, após anos vivendo em relativo isolamento.
É um conto breve conduzido por um narrador onisciente, bem estruturado em sua situação inicial quando apresenta os personagens, instaura o mistério e ocorre o sequestro da matriarca da família Kwan. No entanto, foi ao longo do desenvolvimento que minha atenção como leitora foi deixando de ser captura, devido ao ritmo acelerado com que Dan e Cauê são relacionados, alguns pontos na história que parecem estagnar, falta de exploração dos outros personagens, especialmente o irmão mais velho. Senti falta de um desenvolvimento que estreitasse os laços necessários para culminar na situação final.
É importante ressaltar que a autora traz um toque de humor na escrita, com referências que facilmente ressoam com quem vive em Fortaleza, como eu. Isso não apenas ajuda na identificação das personalidades dos personagens, mas também fortalece o aspecto local da história, destacando a rica cultura do ambiente escolhido.
Personagens
Quanto aos personagens, temos Cleo, a mãe, uma Gumiho reservada, misteriosa e superprotetora. Sua superproteção faz sentido, pois deseja proteger seus filhos dos olhares humanos, influenciada por uma sensação de culpa. No entanto, há pontos na trama que deixam dúvidas, como sua falta de preocupação com a educação das crianças, com Dan sendo o único a ficar em casa enquanto os outros exploram as ruas e têm amigos.
Outro personagem fundamental é Cauê, amigo do trigêmeo do meio, que já conhecia o segredo mágico da família e se apaixona por Dan desde o início. Embora pareça novo na história, seu conhecimento profundo da família através de Ivo e sua motivação para ajudar os irmãos sugerem uma convivência prévia necessária para esse nível de comprometimento, mas que não foi trabalhado. Natural da região onde vive, Cauê é retratado como uma pessoa carismática e hábil em se inserir em diferentes ambientes, sendo a chave para Dan descobrir o mundo ao seu redor, o que torna a relação de ambos muito bonita.
Os trigêmeos, como qualquer irmão, têm seus momentos de conflito, principalmente devido as suas personalidades tão diferentes. Ivo e Ye-jun são mais próximos por compartilharem interesses em comum e saírem juntos, enquanto Ye-jun é explosivo e raivoso, contrastando com a solícita e amável personalidade de Ivo, que equilibra a dinâmica entre eles. Dan, reservado como a mãe, passa a maior parte do tempo sozinho lendo ou com Cleo, o que ocasionalmente desperta ciúmes nos outros dois irmãos. No entanto, mesmo sua proximidade com a mãe não o leva a conhecer seus segredos ou aspectos simples de sua vida, como seu trabalho e interesses básicos, algo que seus irmãos há muito já sabem.
“Não era uma boa ideia, não cheirava como uma boa ideia, nem agia como uma boa ideia, mas Dan estava na fila para a tal festa”. pág. 53
Através de elementos fantásticos, a história aborda temas fundamentais como família e as complexidades de se encontrar na sociedade durante a adolescência. É comum encontrar jovens como Dan, que preferem se isolar em seus quartos em vez de explorar o mundo, embora isso nem sempre seja negativo. Em muitos momentos, é necessário sair, buscar aventuras e descobrir novos horizontes, algo que o conto de Anna Andrade explora de forma envolvente.
Além disso, achei muito original a maneira como a autora une duas lendas tão distintas em uma narrativa, conferindo um toque pessoal à trama. Um exemplo disso é a transformação da história da Mula sem Cabeça para o Burro sem Cabeça, que desempenha um papel crucial como pai dos meninos.
A escolha da ambientação foi um ponto positivo marcante. Imagine sair de casa e deparar-se com trigêmeos de características coreanas, que são meio gumiho e meio burro sem cabeça? É essa experiência que a autora proporciona ao ambientar sua história em Fortaleza e Pacoti. Esses cenários não apenas oferecem uma rica variedade de situações e costumes do dia a dia, o que permite aos leitores locais se identificarem e se envolverem profundamente com a trama, mas também proporcionam uma imersão fascinante para aqueles que nunca visitaram essas cidades.
Na minha humilde opinião
Entre Fogo e Raposas carrega o selo Zona Cinza. Foi uma leitura que inicialmente me empolgou, mas não conseguiu provocar um impacto emocional profundo, e alguns aspectos do desenvolvimento poderiam ter sido explorado melhor. No entanto, destaco positivamente a maneira como a autora incorpora a essência do Ceará em suas páginas. É uma obra voltada para o público jovem adulto, com uma abordagem bastante adolescente, ideal para ser lida numa tarde de fim de semana para passar o tempo.
Até a próxima!